sexta-feira, 11 de março de 2011

Começa a temporada do chocolate

Todavia aqui falaremos do chocolate como bebida. Era uma mania nas cortes européias do século XVII.

O chocolate dominou a Europa. Seu consumo mais comum era como bebida servida em xícaras de fina porcelana nos faustosos salões. Era ingrediente de bolos e doces e também de iguarias salgadas.
Contrariamente ao gosto de Girolamo Benzoni, milanês que na sua Historia del Mondo Nuovo afirma que o chocolate “o qual mais parece beberagem de porcos que de homens”, é necessário afirmar que o fascínio indiscreto do chocolate inspirou a criatividade de grandes homens e “pequenas” mulheres a realizar verdadeiras obras de arte da alta gastronomia.

A hora do banho com o chocolate - anônimo séc. XVII

O preparo do chocolate líquido para ser servido em xícaras, e sucessivamente, sólido em forma de barras ou blocos, passou de nação em nação, e cada país enriqueceu e adaptou a sua receita segundo os próprios gostos e as teorias salutísticas de cozinheiros e boticários locais.
  No poema datado de 1736, chamado Il cioccolato, o cremonês Francesco Arisi (1702 – 1741) fala da nova bebida com certa desconfiança, afirmando ser uma “intemperança” bebê-lo em demasia, quase ao limiar da dependência:
São alguns tão tolos/Que a espuma que se eleva/Às bordas da xícara,/Sopram-na fora./.../Cuidam tornar a aguardente/Mais gostosa ao paladar/Misturando-lhe chocolate/E criando uma nova bebida./A mim causa desprazer,/É uma péssima invenção/Estragar boa bebida/Com mistura de massa preta,/E se é caso de economia,/Ela não me parece justa./Nem estou persuadido/Por aqueles que, às vezes,/Com chocolate perfumam/Seu tabaco, e pitadeiam./Não costumo ver sem náusea/Certos grupos de glutões/Que recusando água pura/Com o creme gordo a bebem./.../Até os cozinheiros, a seu grado,/O colocam nos seus bolos/E entre outras ninharias,/Nas caixinhas de pastilhas/O aprisionam./.../Nos torrões já é usado,/Nas tortas é o principal./Penso, pois, que ainda um dia,/Vão servi-lo com codornas,/Desdenhando o santo pão/Ou colocando-o de parte.

O chocolate matinal - Pietro Longhi 1775

«Nos mosteiros espanhóis do Novo Mundo, utilizava-se um recipiente bojudo (...) de barro ou de cobre estanhado, materiais que conservavam o calor. Tal como os astecas, batia-se o chocolate até fazer espuma com uma varinha de madeira chamada molinete.
                                                                 O serviço de chocolate - Luiz Melendez, 1770, Museu do Prado

No século XVII, a propagação em Espanha de uma receita mais açucarada foi naturalmente acompanhada por uma transformação dos recipientes. As chocolateiras tiveram então o requinte do líquido que enfeitiçava as mulheres.

Chocolateira em porcelaqna de Sévres e bronze - séc. XVIII

A folha de Flandres ou o estanho, muito utilizados, foram substituídos por materiais mais dignos de irem à mesa dos nobres, como a prata “(...). Uma pega horizontal feita de madeira preciosa evitava que se queimassem os dedos. O bico era colocado na parte superior (...) e um orifício no meio da tampa permitia enfiar o molinete de buxo. Três pés alteavam a chocolateira (...)”.
A primeira chocolateira de prata conhecida foi oferecida a Luís XIV pelo embaixador do Sião, em 1686. “(...) Possuir uma chocolateira era apanágio da alta sociedade, e Madame de Sévigné não imaginava sequer poder passar sem ela. (...)».

Chocolateira em prata - França, 1760

Naquele mesmo século, na Espanha, surgiram as primeiras sícaras para beber chocolate. Por iniciativa do Marquês de Mancera, Pedro de Toledo y Leiva (1585 – 1654) foi inventada a mancerina ou trembleuse, que tinha a particularidade de se aconchegar num prato côncavo, que lhe dava estabilidade. No século XVIII, com o aperfeiçoamento do fabrico da porcelana, foram elaborados luxuosos serviços para chocolate; a Manufacture de Sèvres se transformou na referência mais prestigiada.


Trembleuse do séc. XVII -  Musée National de Céramique de Sévres - foto Martine Beck-Coppola
Trembleuse austríaca, 1740 - J. Paul Gatty Museum




Fonte: Katherine Khodorowsky e Hervé Robert (2000).

E mais algumas imagens sugestivas:

 
O chocolate quente - Raimundo de Madrazo y Garreta, séc. XIX


La belle chocolatiére - Jean-Etienne Liotard - 1744
La belle chocolatiere - porcelana de Meissen, Museu de Capodimonte, Nápoles


                                                                                    Jean-Etienne Liotard - 1754

2 comentários:

  1. o livro Paixão por chocolate, mostra bem o requinte das chocolateiras, e como era objeto de desejo das mulheres

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  2. Buscando imagem da chocolateira do pintor liotard caí sobre este blog. Linda porcelana sevres com desenho que nos chamomas flor de trigo azul. numa outra imagem vi bastao de molinete. Um molinete seculo xvii conheco no museo da ordem teuronica em viena, com tacas porcelana e originalmente decoro filigrano que muitas vezes e de origem Goa. tentei incluir foto do catalogo, nao consegui.de qualquer forma, grato pelas informacoes. Alf-Peter Lenz

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